quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Cédula de crédito bancário é título executivo extrajudicial

A cédula de crédito bancário é título executivo extrajudicial, representativo de operações de crédito de qualquer natureza e pode ser emitida para documentar operações em conta corrente, como crédito rotativo ou cheque especial. Essa foi a tese firmada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso representativo de matéria repetitiva. 

Os ministros acrescentaram que o título, para ter liquidez e exequibilidade, precisa ser acompanhado de requisitos que constam em relação legal taxativa. 

Entre esses requisitos, estão a inclusão de cálculos evidentes, precisos e de fácil entendimento sobre o valor da dívida, seus encargos, despesas e demais parcelas, inclusive honorários e penalidades; e a emissão da cédula pelo valor total do crédito oferecido, devendo ser discriminados os valores efetivamente usados pelo devedor, encargos e amortizações incidentes. 

Além das partes, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) atuou no processo como amicus curiae. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) também foi convidado a integrar o processo, mas não se manifestou. O entendimento segue ainda o parecer do Ministério Público Federal (MPF). 

Crédito rotativo 

Conforme o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, “a problemática hospeda-se no fato de que, na grande maioria das vezes, encontra-se subjacente à cédula de crédito bancário um contrato de abertura de crédito rotativo, cuja exequibilidade fora afastada por sólida jurisprudência do STJ, cristalizada nas Súmulas 233 e 247”. 

Ainda segundo o relator, alguns juristas entendem que a nova lei da cédula de crédito teria surgido como reação a essa jurisprudência. Ele esclareceu, porém, que antes da Lei 10.931/04, não existia previsão legal para amparar a execução com base em contratos “terminados” de forma unilateral, pelos extratos ou planilhas bancárias. 

Pela alteração, afirma o ministro Salomão, “o legislador agiu pela via própria e validou as práticas bancárias que antes não encontravam lastro no ordenamento jurídico brasileiro”. 

“Havendo lei a prever a complementação da liquidez do contrato bancário mediante apresentação de cálculos elaborados pelo próprio credor, penso que cabe ao Judiciário, em sede de jurisdição infraconstitucional, aplicar o novo diploma”, completou. 

Disfarce 

No entanto, o ministro ressalvou que não se trata de permitir o uso da cédula de crédito bancário como mera roupagem do antigo contrato de abertura de crédito, como se apenas a alteração de nomenclatura tornasse o título executável. 

“Ao reverso, o novo título de crédito, para ostentar exequibilidade, deve vir acompanhado de claro demonstrativo acerca dos valores utilizados pelo cliente, trazendo o novo diploma legal, de maneira taxativa, as exigências para conferir liquidez e exequibilidade à cédula”, asseverou. 

REsp 1291575


Fonte: STJ

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Das vantagens e desvantagens do contrato de locação sem garantia

Três anos após a inovação trazida pela Lei nº 11.112/09 – que garante o despejo liminarmente em caso de falta de pagamento de aluguéis e acessórios relativos a contrato sem garantia – é possível verificar certo receio dos locadores em “abrir mão” da garantia no contrato de locação.
Com efeito, até então, parecia impraticável a celebração de um contrato de locação sem garantia (por exemplo, fiança, caução ou seguro fiança). A maioria dos locadores opta, dentre as garantias estabelecidas na Lei nº 8.245/91, pela constituição de um fiador.
É importante destacar, contudo, que a garantia não é obrigatória. A rigor, o locador pode dispensá-la. E aqui vale perguntar: quais as vantagens e desvantagens em celebrar um contrato sem garantia?
O primeiro e, sem dúvida, maior atrativo está na possibilidade de, liminarmente, ser concedida a ordem judicial para desocupação do imóvel em caso de falta de pagamento de aluguéis e acessórios pelo locatário.
Com efeito, nos termos do artigo 59, §1º, inciso IX da Lei nº 8.245/91, caso o locador ajuíze ação de despejo em razão da falta de pagamento do aluguel e acessórios no vencimento, deverá ser concedida liminar, sem audiência da parte contrária, para desocupação do imóvel no prazo de 15 dias.
Para Silvio Venosa, o fato de o texto original da lei de locação não prever o cabimento de liminar na ação de despejo por falta de pagamento “foi atribuído a cochilo do legislador” e “tratase, sem dúvida, do motivo mais imperioso para a desocupação imediata do imóvel, superando a urgência dos demais incisos. A falta de pagamento de aluguéis é a mais grave infração contratual e exige tratamento judicial rápido”.
Outra vantagem é que, no contrato de locação sem garantia, o valor do aluguel poderá ser cobrado antecipadamente, ou seja, pelo mês vincendo. Assim, se o locatário não efetua o pagamento do aluguel e acessórios já no início do mês, antes mesmo de “desfrutar” do imóvel, o locador poderá ajuizar a competente ação de despejo.
Por óbvio que há desvantagens na ausência de garantia no contrato locatício. E a mais evidente decorre da morosidade do Poder Judiciário, já que o locador deverá ingressar com a ação de despejo, aguardar os trâmites para autuação e distribuição do processo até que os autos cheguem às mãos do juiz, que então proferirá a decisão liminar. Em seguida a isso, deverá aguardar mais algum tempo até que a ordem de despejo, se houver resistência do locatário, seja, em termos práticos, cumprida.
Além disso, o locador deverá prestar caução no valor equivalente a três meses de aluguel à época do ajuizamento. Esse é um requisito imprescindível à concessão da liminar de desocupação.
A caução, por outro lado, não necessariamente deverá ser em dinheiro. Nada impede que a caução seja real ou fidejussória. O mais comum é que o próprio imóvel locado seja ofertado em caução. Para tanto, o locador deverá comprovar sua titularidade e a inexistência de outros ônus reais.
O locatário, por sua vez, nos termos do §3º do artigo 59 da Lei nº 8.245/91, poderá evitar a rescisão da locação e elidir a liminar de desocupação se, dentro dos 15 dias concedidos para a desocupação do imóvel, efetuar o depósito judicial do débito (aluguel e acessórios).
Importante ainda mencionar que a liminar para desocupação do imóvel tem sido concedida ainda em casos nos quais a garantia foi extinta. É o que ocorre, por exemplo, quando o contrato prevê garantia na modalidade caução, porém o débito supera o valor caucionado.
Essa é a posição que tem sido adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme acórdão proferido pela 27ª Câmara de Direito Privado, lavrado pelo desembargador Claudio Hamilton e assim ementado: “Locação comercial - Despejo por falta de pagamento. Contrato provido de garantia na forma de caução relativa a três meses de alugueres. Pedido de desocupação do imóvel formulado com fundamento no art. 59, § 1º, inciso IX, da Lei nº 8245/1991, com a redação determinada pela Lei 12.112/2009. Débito que supera a garantia ofertada. Extinção da garantia que autoriza a concessão da liminar de despejo, condicionada à prestação de caução no valor de três meses de alugueres vigentes. Ocorrência de inadimplemento reiterado. Fato que não impede a possibilidade de purgação da mora. Decisão reformada. Recurso provido em parte.” (Agravo de Instrumento nº 0231450-60.2012.8.26.0000, julgado em 27/11/2012).
Por fim, e não menos relevante, é o fato de que, no contrato de locação sem garantia, o locador talvez tenha um trabalho maior para conseguir receber do locatário o valor do débito relativo aos alugueres e acessórios devidos.
Fato é que, estando ou não o contrato de locação garantido, vantagens e desvantagens existirão, cabendo ao locador analisar concretamente a solidez da garantia ofertada pelo locatário. Na prática, se a garantia ofertada pelo inquilino não se mostrar sólida e suficiente, melhor para o locador que o contrato fique “desprotegido”.
Por: Larissa Paschoalini Bóscolo, advogada, é especialista em direito imobiliário

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Cobrança por prestação de serviços médico-hospitalares prescreve em cinco anos

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que é de cinco anos o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança, pelo hospital, de valores devidos em razão do inadimplemento de contrato de prestação de serviços médico-hospitalares.
O entendimento unânime do colegiado se deu no julgamento de recurso especial interposto pelo Hospital Mater Dei S/A contra decisao do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que, aplicando o Código de Defesa do Consumidor (CDC), considerou o prazo quinquenal.
A ação de cobrança de despesas hospitalares foi ajuizada pelo hospital em 8 de junho de 2009. Os serviços foram prestados ao filho recém-nascido do recorrido, no período compreendido entre 2 e 9 de setembro de 2002.
Processo extinto
O juízo de primeiro grau extinguiu o processo, com resolução de mérito, em razão do reconhecimento da prescrição da pretensão do hospital.
O tribunal estadual confirmou a sentença, ao entendimento de que o artigo 27 do CDCfaz previsão expressa de prazo prescricional para o exercício de pretensão oriunda de fato do serviço, sendo o lapso prescricional de cinco anos, contados do conhecimento do dano e de sua autoria.
No recurso especial, o hospital alegou que o prazo prescricional aplicável era de 20 anos, sob a vigência do Código Civil de 1916, e passou a ser de dez anos, a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002.
Nova lei
Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que, embora a relação entre as partes possa também ser regida pelo CDC, não há acidente de consumo ou fato do produto que justifique a sua aplicação. Assim, o prazo prescricional que deve ser aplicado é o previsto no Código Civil.
A ministra destacou que, durante a vigência do CC de 1916, o prazo prescricional aplicável à cobrança de despesas médico-hospitalares era de um ano. Com o novoCC, o prazo foi aumentado para cinco anos.
No caso, embora a ação de cobrança tenha sido ajuizada ainda na vigência do CC/16, o prazo prescricional aumentado pela lei nova atinge a prescrição em curso, pois a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Assim, segundo a ministra, o prazo prescricional quinquenal começou a fluir a partir da data do contrato firmado entre as partes, o que leva à confirmação da prescrição.
Fonte: JusBrasil

Da excessiva omissão estatal à salutar judicialização do direito à saúde

A discussão envolvendo a questão da efetividade dos direitos sociais, especialmente aquelas afetas ao direito à saúde, tem atingido grandes proporções entre os estudiosos do Direito.
Autores como Luiz Roberto Barroso têm tratado do assunto com algumas reservas, defendendo, em suma, que o Poder Judiciário, por exemplo, em relação ao fornecimento de medicamentos, somente deve determinar o fornecimento daqueles constantes das listas elaboradas pelo Poder Público; a inclusão de novos medicamentos nas referidas listas somente deve ser procedida excepcionalmente e, mesmo assim, levando-se em conta as competentes avaliações técnicas, de ordens médica, administrativa e orçamentária, observadas as competências dos Poderes Legislativo e Executivo, devendo o Judiciário, ainda, se atentar para o fornecimento apenas de medicamentos de eficácia comprovada, excluídos, portanto, aqueles ainda em fase experimental e os alternativos, sempre optando por substâncias disponíveis no Brasil, fornecidas por agentes situados em território nacional, e privilegiando os de menor custo, como os genéricos.
Tais ponderações, como aponta o insigne constitucionalista, se justificam em razão da “proliferação de decisões extravagantes ou emocionais, que condenam a Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis – seja porque inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade -, bem como de medicamentos experimentais ou de eficácia duvidosa, associados a terapias alternativas.”1
Argumenta-se, também, que o ativismo judicial arrojado coloca em risco a exequibilidade das políticas de saúde pública, redundando na desorganização da atividade administrativa, comprometendo, assim, a própria realização das diretrizes constitucionais relativas à garantia a saúde como direito fundamental, tendo em vista a universalidade desse tipo de prestação estatal e dos princípios relacionados ao orçamento e à reserva do possível, esta entendida, segundo lição de KILDARE GONÇALVES CARVALHO, como sendo “aquilo que o indivíduo poderia esperar razoavelmente da sociedade e garantidos na medida do possível e do adequado2. Além disso, a atuação judicial estaria a se sobrepor às ponderações já previa e abstratamente realizadas pelo legislador quando da criação da norma.
Posto o intróito, passamos a colacionar algumas ponderações em prol da atuação irrestrita do Poder Judiciário quando defronte a casos envolvendo a garantia do direito à saúde como direito humano fundamental, tendo em vista as excessivas omissões dos poderes Legislativo e Executivo no trato da questão envolvendo o cumprimento das normas constitucionais afetas à saúde.
Permito-me abrir um breve parêntesis, que entendo seja necessário ao reforço da idéia defendida neste texto, e com vistas a engrossar o coro dos críticos da política brasileira, basta que liguemos nossos televisores nos noticiários diários ou acessemos outras mídias para que percebamos, sem dificuldades, em que passos anda nossa política.
Só pra citar fatos mais atuais, parece que os elementos que congregam os organismos responsáveis pela consecução das políticas necessárias à afirmação dos direitos expressos na Constituição tem levado ao “pé da meia”, digo, ao pé da letra, se me permitem o trocadilho, a questão relativa a formação de um “pé-de-meia” para garantir o futuro. Outros, como se sabe, recorrem a peças mais íntimas para guardar o dinheiro público desviado. Somado a isso, recentemente o presidente Lula concedeu empréstimo de dinheiro ao FMI. Então, com vistas nestes fatos amplamente divulgados na mídia, não há alicerces suficientemente robustos para afirmar que o orçamento brasileiro é deficitário. O dinheiro sobra!
Dentro dessa ótica, então, não subsistem argumentos favoráveis à tese de que o ativismo judicial compromete a realização das políticas públicas necessárias à garantia dos direitos constitucionais referentes à saúde. O dinheiro existe. O Estado, nas esferas legislativa e executiva é desorganizado por excelência, afigurando-se até mesmo hilária a pretensa tese que atribui ao Judiciário, através de decisões que visam garantir irrestritamente o direito à saúde, a culpa (ou parcela dela) pelo emperramento das políticas em tela.
Entretanto, deixando de lado as conjecturas políticas, e passando aos aspectos jurídicos da questão, que é o que de fato interessa neste trabalho, é imperioso registrar, inicialmente, que a saúde é atributo indissociável do direito à vida, que por sua vez integra o rol dos direitos humanos. Isto é, nascem com o ser humano e lhes são inerentes, independentemente de positivação pelo Direito, nada obstante a importância de assim o ser hodiernamente em âmbito mundial. São, na dicção de PAULO HENRIQUE GONÇALVES PORTELA, “direitos essenciais para que o ser humano seja tratado com a dignidade que lhe é inerente e aos quais fazem jus todos os membros da espécie humana, sem distinção de qualquer espécie.3
São, portanto, direitos que pertencem a todos os indivíduos indistintamente, encontrando-se, neste argumento, a primeira justificativa para o ativismo judicial arrojado nas questões envolvendo a garantia do direito à saúde, uma vez que, nesse aspecto, um indivíduo brasileiro em nada difere de japoneses, russos, americanos, australianos, enfim, de indivíduos de qualquer parte do mundo, dado este traço comum que une a humanidade.
Sendo assim, não há razão para a prevalência do argumento político, no sentido de que garantir a vida ou a saúde de um único indivíduo, via tutela jurisdicional, implica no comprometimento das políticas que visam à universalização do acesso à saúde.
Na Constituição Federal, o direito à saúde encontra-se disciplinado no art. , arrolado dentre os direitos sociais. Estes, segundo a doutrina que divide os direitos fundamentais em gerações (o termo mais apropriado seria dimensões), são classificados como pertencentes aos direitos de segunda geração (direitos de igualdade), e derivam dos reflexos negativos oriundos da Revolução Industrial e do liberalismo. Geralmente, tais direitos vem enunciados em normas classificadas como programáticas, cuja efetivação é tradicionalmente viabilizada através de prestações positivas do Estado, e de ações dos poderes Legislativo e Executivo, demandando, portanto, investimento de recursos públicos, e observado o princípio da reserva do possível.
PAULO HENRIQUE GONÇALVES PORTELA leciona que “inicialmente, a maior parte da doutrina entendia que os direitos de segunda geração tinham eficácia jurídica duvidosa, porque, por exigirem ações estatais e a disponibilidade de recursos para tal, não teriam aplicabilidade imediata e seriam de concretização mais progressiva. Posteriormente, passaram a ser vistos como de caráter programático. Na atualidade, a doutrina também atribui a estes direitos aplicabilidade imediata e justiciabilidade”4.
Na mesma toada, KILDADE GONÇALVES CARVALHO assim sinaliza:
“É preciso ponderar, no entanto, que o princípio da reserva do possível não se reveste do caráter absoluto que alguns juristas pretendem atribuir-lhe, à consideração principal de que, sendo a saúde um direito que se relaciona com a garantia da vida e da dignidade humana, pertence ao Judiciário, no âmbito do controle do devido processo legal, de cunho substantivo, impedir que seja violado por meio de qualquer processo, por mais razoável que seja, e que fique à mercê dos poderes Legislativo e Executivo. Caso contrário, a reserva do possível significaria: a) a total desvinculação jurídica do legislador quanto à dinamização dos direitos sociais constitucionalmente consagrados; b) a ‘tendência para o zero’ da eficácia jurídica das normas constitucionais consagradoras dos direitos sociais; c) a gradualidade com dimensão lógica e necessária da concretização dos direitos sociais, tendo sobretudo em conta os limites financeiros; d) a insindicabilidade jurisdicional das opções legislativas quanto à densificação legislativa das norma constitucionais reconhecedoras de direitos sociais.”5
Quanto ao modo do exercício dos direitos sociais, e obviamente do direito à saúde, o mesmo autor prossegue afirmando:
De qualquer modo, os direitos sociais podem ser submetidos à coerção pela via judicial, quer na sua titularidade individual, quer como interesses difusos e coletivos, com a utilização dos meios processuais adequados, dentre eles o mandado de segurança.
A garantia da justiciabilidade dos direitos sociais passa necessariamente pela garantia do direito à jurisdição, pelo qual o Estado tutela as pessoas em situação social vulnerável e cria condições para a redução das desigualdades. A negativa do Estado, sobretudo por opção do administrador público, em não cumprir obrigação social, de natureza e divisibilidade definidas, autoriza que o direito seja demandado junto ao Poder Judiciário para que se ordene ao Estado a realização da atividade social. Nada obstante, este tema passa pela análise da natureza e eficácia das normas constitucionais, em especial as denominadas programáticas (...)”6
Sobre a utilização do Mandado de Segurança como remédio adequado à garantia do direito à saúde, o STJ, na caneta do Min. João Otávio de Noronha, já havia se pronunciado, em 2003, em caso envolvendo criança portadora de Mielomeningocelite Infantil, doença congênita grave, e cujo tratamento adequado se encontrava disponível nos EUA.
Em seu pronunciamento, o eminente ministro asseverou que “não se pode generalizar a aplicação da norma que veda ao Estado a concessão de auxílio financeiro para tratamento fora do País, a ponto de abandonar, à sua própria sorte, aqueles que, comprovadamente, não podem obter, dentro de nossas fronteiras, tratamento que garanta condições mínimas de sobrevivência digna”, consignando, ainda, que “não havendo no País equipamento terapêutico apropriado ao tratamento da enfermidade, justifica-se que o Estado disponibilize recursos para a sua aquisição no exterior.”7
Sustenta-se, ainda, que é imprópria a intervenção judicial em assuntos reservados aos poderes legitimados pelo voto popular (Legislativo e Executivo), de modo a determinar como os recursos públicos destinados à saúde devem ser gastos, cabendo ao povo dispor sobre o modo como estes recursos devem ser empregados. Todavia, mister lembrar que o Poder Judiciário está previsto na própria Constituição Federal, que foi elaborada, pelo menos em tese, em observância à vontade popular, sendo que já no preâmbulo da Carta Maior, que é dotado de juridicidade, possuindo, portanto, força normativa, institui um Estado Democrático, destinado a assegurar, dentre outros, oexercício dos direitos sociais (grifei).
Constituição, então, fala expressamente em exercício dos direitos sociais, idéia que, dentro da atuação judicial, é incompatível com a morosidade da garantia de tais direitos por meio da atuação legislativa e executiva. Ademais, há de se levar em conta a posição topográfica do preâmbulo constitucional e dos direitos fundamentais em relação aos dispositivos subseqüentes, revelando que a atuação das instituições estatais é condicionada à observância daqueles direitos.
Em relação à questão envolvendo o fornecimento de medicamentos e tratamentos experimentais, cuja atuação judicial, neste particular, é veementemente combatida, pensamos seja indispensável tecer algumas considerações acerca da autonomia de cada indivíduo em relação ao gozo da própria saúde.
Não cabe ao Estado determinar que tais garantias sejam excluídas de seu âmbito de atuação, sob a alegação de onerosidade excessiva ou falta de essencialidade do medicamento ou tratamento, pois assim estaria a dispor sobre direito personalíssimo. Como disposto na Declaração de Viena de 1993, “os direitos humanos e as liberdades fundamentais são direitos naturais de todos os seres humanos: sua proteção e promoção são responsabilidades primordiais dos Governos”.
Um dos propósitos da medicina é sempre trabalhar em busca de métodos eficazes de cura, e de forma a amenizar ao máximo o sofrimento do paciente. Se eventualmente um tratamento ou medicamento experimental desenvolvido para o combate de determinada doença demonstra resultados em determinado país, ou até mesmo no Brasil, cabe somente ao doente decidir se deseja se submeter ao mesmo. A essencialidade do medicamento ou tratamento varia de acordo com a enfermidade e o sofrimento de cada indivíduo.
A vida gozada com plena saúde é essencial por si só!
A título exemplificativo, cite-se a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que regula as pesquisas envolvendo seres humanos, e cujo preâmbulo diz, in fine: “esta Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, entre outros, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.”
Mais adiante, o citado diploma estabelece:
III.1 - A eticidade da pesquisa implica em:
a) consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes (autonomia). Neste sentido, a pesquisa envolvendo seres humanos deverá sempre tratá-los em sua dignidade, respeitá-los em sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade;
b) ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos (beneficência), comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;
c) garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficência);
d) relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária (justiça e eqüidade).
Como se vê, o próprio Estado fomenta a pesquisa com seres humanos, revelando-se verdadeiro contrassenso a pretensa limitação do acesso à saúde por meios experimentais.
Uma última observação: o direito à saúde, no Brasil, encontra-se em vias de se tornar disciplina obrigatória nos concursos para a magistratura, consoante recomendação do grupo de trabalho sobre demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde da Comissão de Relacionamento Institucional e Comunicação do Conselho Nacional de Justiça8. Tal recomendação levou em conta o grande número de demandas judiciais envolvendo o direito à saúde, e, além do âmbito jurídico, incentivara o oferecimento de cursos de aperfeiçoamento nesta área pelas escolas.
A medida, como podemos concluir, revela a dimensão que a questão assumiu em nosso direito.
De todo o exposto, concluímos que o Poder Judiciário deve garantir a quem dele se socorrer, o pleno acesso à saúde, seja pelos meios já reconhecidos pela medicina como eficazes, e disponibilizados pelo Estado, seja através de submissão a medicamentos e tratamentos experimentais, em solo brasileiro ou no exterior, sendo que os argumentos em contrário, por mais robustos que sejam, não possuem o condão de suprimir a atuação judicial, a qual muitas vezes é que, de fato, viabiliza o exercício dos direitos constitucionalmente garantidos, ante a inércia dos demais poderes.
Negar legitimidade e efetividade às decisões judiciais que tutelam os direitos fundamentais é o mesmo que dizer a cada cidadão brasileiro que o mesmo deve se resignar com o azar de ter nascido em um país que, infelizmente, ainda não possui condições de tratá-lo como sujeito de direitos. 
NOTAS
1 Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial (disponível emwww.ejef.tjmg.jus.br).
2 In Direito Constitucional, 15ª ed., rev. atual. e ampl. - Belo Horizonte: Del Rey: 2009, pág. 750.
3 In Direito Internacional Público e Privado, 2ª ed. rev. ampl. e atual. - Salvador: Juspodivm: 2010, pág.615.
4 Op. cit., pág. 623.
5 Op. cit., págs. 750 – 751.
6 Op. cit., pág. 910.
7 MS 8740 / DF.
8 Notícia publicada em 19/01/10 na Revista Consultor Jurídico.
Fonte: JusBrasil

Tribunais devem priorizar julgamentos sobre saúde, decide CNJ

Brasília - O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou hoje (6), por unanimidade, recomendação para que os tribunais priorizem o julgamento de ações envolvendo planos e seguros de saúde. A proposta foi apresentada pelo ex-deputado Flávio Dino, cujo filho morreu em um hospital de Brasília no ano passado.

Na mesma decisão, o CNJ recomendou que os tribunais de todo o país criem varas especializadas para julgar processos envolvendo questões de saúde. A proposta do relator, conselheiro Ney Freitas, é que essa especialização ocorra nas varas de fazenda pública, que agregaria uma nova competência.

Levantamento do CNJ indica que há pelo menos 240 mil ações na Justiça relativas ao direito à saúde. A crescente judicialização da área vem preocupando os gestores do Judiciário e o CNJ que criou um fórum nacional para acompanhar o tema em 2010.

Outra recomendação aprovada pelo conselho é a inclusão de disciplina obrigatória de direito sanitário nos concursos de ingresso para a magistratura e também nos cursos de formação dos juízes.

Fonte: JusBrasil