terça-feira, 7 de junho de 2011

Estudantes buscam indenização.


Quando a dentista Michelle Chiode, 31 anos, matriculou-se no curso de pós-graduação da Associação Brasileira de Odontologia (ABO) em Brasília, estava certa de que receberia um diploma da própria instituição - onde frequentou, durante três anos, a especialização em ortodontia. Não imaginava que lhe entregariam, com nove meses de atraso, um certificado de um lugar onde nunca pisou: a Universidade Vale do Acaraú (UVA), no Ceará. "Nem sabia que ela existia", diz.

Casos como o de Michelle começam a chegar ao Judiciário, em ações de estudantes contra entidades de ensino, enquanto a oferta de cursos prolifera no país. Alunos pedem indenizações - inclusive danos morais - por prejuízos causados por problemas na obtenção ou no reconhecimento do diploma. Sem esse documento, não conseguem o registro profissional, o que dificulta ou até impede trabalhar na área. Em outros casos, a titulação é rejeitada em concursos públicos, prejudicando quem contava com uma pontuação extra.

Segundo especialistas, a situação mais grave é a da pós-graduação lato sensu, os chamados cursos de especialização. Esse tipo de programa não oferece diploma acadêmico, como de mestrado ou doutorado, avaliados de forma mais rígida pelas instituições de educação. Mas o curso de especialização dá aos alunos certificados reconhecidos no mercado, desde que oferecidos regularmente.

No caso de Michelle, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) se negou a fazer o registro profissional, por não aceitar o documento da UVA. A dentista diz que, sem o certificado, não consegue trabalhar com convênios na área de ortodontia. Outros alunos que cursaram a especialização da ABO em Brasília passam pela mesma situação. Fabiana Melo, 28 anos, conta que além dos R$ 1.800 de mensalidade pagos por três anos, investiu R$ 300 mil num consultório próprio. "Agora tenho que encaminhar clientes para outros especialistas", lamenta.

O presidente da ABO nacional, Newton Carvalho, defende que o convênio com a UVA é permitido pela lei, e anterior ao credenciamento da entidade junto ao Ministério da Educação (MEC). Mas o ministério nega autorizar qualquer tipo de parceria em que uma entidade oferece as aulas e outra, o diploma. "Não existe possibilidade de 'terceirização' da responsabilidade e competência acadêmica", afirmou o MEC em nota ao Valor. Segundo o ministério, a ABO está autorizada a oferecer esse tipo de curso em algumas regiões do país, mas não em Brasília.

A discussão se repete em diversas outras áreas. Diante disso, o Conselho Nacional de Educação (CNE) suspendeu, provisoriamente, os credenciamentos de associações profissionais para oferecimento de pós-graduação lato sensu, em parecer de dezembro de 2010. Posicionamento definitivo ainda está em análise. Mas a orientação dos conselheiros é pela extinção completa do credenciamento das entidades não educacionais - se isso se confirmar, as autorizações atuais valem somente até 31 de julho.

O Judiciário já vem se posicionando em favor dos alunos. Em Porto Alegre, a Universidade Gama Filho e outras três instituições foram condenadas em primeira instância a indenizar um servidor público em R$ 250 mil. A universidade recorreu da decisão. O estudante alegou que se licenciou do cargo de assistente jurídico do Ministério Público Estadual por dois anos, para se preparar para um concurso público para delegado da polícia civil no Amazonas. Como o concurso atribuía pontuação aos títulos, ele decidiu matricular-se em um "curso intensivo de pós-graduação em direito processual penal" de três meses, oferecido a distância pela Gama Filho.

Mas a banca examinadora do concurso rejeitou o certificado de conclusão do curso. Segundo informações da sentença judicial, isso ocorreu porque uma decisão da Justiça Federal do Amazonas declarou que o programa estaria em desacordo com as regras do MEC. A Gama Filho afirmou ao Valor que os cursos de pós-graduação lato sensu oferecidos por instituição credenciada, como no caso da própria universidade, "independem de reconhecimento ou mesmo autorização". Alegou ainda que a ação foi motivada por uma "insatisfação do autor", que não teria obtido o certificado por ter se recusado a fazer alterações no trabalho de conclusão de curso.

Para o advogado Rodolfo Hans Geller, presidente da Comissão Nacional de Ensino Jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o aumento dessas demandas judiciais decorre da "enormidade de oferta" de cursos de pós-graduação lato sensu no país, sem controle de qualidade. "Nem o MEC, nem as entidades profissionais estão avaliando", afirma o advogado. "É um caos." Ele afirma que, antes de escolher um curso, é importante pesquisar no MEC e com os órgãos de classe se a instituição está devidamente credenciada e bem-avaliada.

Em um julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atribuiu à instituição que oferece o curso a responsabilidade de garantir ao aluno as devidas condições para que o diploma seja reconhecido. O tribunal condenou a Universidade Bandeirantes de São Paulo (Uniban) a indenizar uma ex-aluna de Farmácia, que concluiu a graduação em 1998. Ela alegou ter sido impedida de exercer a profissão por dois anos - pois não conseguiu fazer o registro no conselho profissional antes do curso ser reconhecido pelo MEC, o que só ocorreu 2000.

A Uniban diz que vai recorrer, argumentando que seguiu a lei. "A primeira turma do curso de Farmácia colou grau em dezembro de 1998, e o requerimento de reconhecimento foi protocolado no ano seguinte", afirmou o advogado da universidade, Marcos Zacarin. Para que os cursos de graduação sejam implementados, é preciso primeiro uma autorização do MEC, e depois o reconhecimento. Zacarin argumenta que não há prazo final para solicitar esse segundo processo. A universidade acrescenta que "o fato relacionado a essa causa está totalmente superado" e "não condiz com a realidade atual da Uniban."

Mas a 3ª Turma do STJ rejeitou os argumentos. O relator do caso, ministro Sidnei Beneti, afirmou: "É obrigação da instituição de ensino, ao final do curso, qualificar quem nele se formou a preencher todos os requisitos formais necessários à inscrição no organismo profissional".

Fonte: VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS

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