quarta-feira, 23 de março de 2011

Tribunal impede compensações com precatórios

Uma decisão recente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região coloca em xeque as regras da Emenda Constitucional nº 62 que autorizam a Fazenda Pública a compensar créditos na expedição de precatórios, como forma de agilizar a cobrança. O mecanismo foi criado como um encontro de contas entre o Fisco e os contribuintes, quando ambos estão simultaneamente nas posições de credor e devedor.

Mas, na prática, o procedimento vem gerando muita polêmica, ao autorizar a compensação, pela Fazenda, de qualquer crédito constituído - inclusive aqueles ainda não inscritos em dívida ativa. Os contribuintes argumentam que o Fisco não poderia compensar quantias ainda passíveis de questionamento judicial.

Na semana passada, numa decisão inédita, a 2ª Turma do TRF considerou inconstitucional as regras que autorizam esse tipo de compensação. Foi o primeiro caso sobre o assunto a ser analisado pela segunda instância da Justiça Federal. Questiona-se os parágrafos 9º e 10º do artigo 100 da Constituição Federal, inseridos em 2009 pela Emenda nº 62 - a chamada Emenda dos Precatórios. O parágrafo 9º diz que, no momento da expedição dos precatórios, deverão ser abatidos valores referentes a "débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa", incluídas quantias de parcelamentos a vencer - a não ser nos casos de execução suspensa por contestações administrativas ou judiciais.

O parágrafo 10º define o procedimento da compensação: antes de expedir os precatórios, o tribunal pede informações à Fazenda Pública para saber se o credor é, ao mesmo tempo, devedor do Fisco.

O processo analisado na semana passada pelo TRF da 4ª Região envolve a Francisfer, distribuidora de jornais da cidade de Itajaí, em Santa Catarina. A empresa estava prestes a receber um precatório - gerado por cobranças indevidas de impostos federais - quando a Fazenda indicou ao juiz a existência de créditos lançados de tributos como PIS, Cofins e Imposto de Renda. "Mas esses débitos são passíveis de questionamento", aponta o advogado da empresa, Emerson de Morais Granado.

Diante dessa argumentação, o juiz rejeitou a dedução dos créditos e a Fazenda recorreu ao TRF. Ao analisar a matéria, o relator do processo, desembargador Otávio Roberto Pamplona, declarou inconstitucional os parágrafos 9º e 10º do artigo 100 da Constituição.

Pamplona ressaltou que as normas permitem a compensação de créditos "com natureza completamente distintas": enquanto os precatórios são gerados por decisões judiciais transitadas em julgado, os valores que a Fazenda queria compensar resultam de decisões administrativas ainda passíveis de questionamento judicial. Segundo o desembargador, o contribuinte não teria a chance de discutir os débitos nos autos do processo do precatório. "Há aí, sem dúvida, ofensa ao princípio do devido processo legal", afirmou o magistrado em seu voto.

A 2ª Turma do TRF decidiu, por unanimidade, remeter o caso à Corte Especial do tribunal, formada por todos os seus magistrados e competente para analisar questões constitucionais.

O caso chamou a atenção da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), encarregada das ações destinadas a recuperar os cerca de R$ 800 bilhões de créditos inscritos em dívida ativa da União. "Faz todo sentido alguém que seja credor e tenha débito a pagar poder fazer a compensação no momento do pagamento de seu débito", argumenta o procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, Fabrício da Soller. Para ele, o procedimento não representa cerceamento de defesa para os devedores. "Quando a Fazenda indica ao juiz a existência do débito, surge a possibilidade do contraditório", afirma.

Segundo ele, a PGFN trabalha na elaboração de um projeto de lei para definir melhor os mecanismos de compensação, em conjunto com a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A Emenda Constitucional 62 também é questionada em diversas ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) no Supremo Tribunal Federal (STF). "Não faz sentido o Judiciário se debruçar sobre temas específicos enquanto o Supremo não analisar a constitucionalidade ou não da emenda como um todo", defende o advogado Flávio Brando, presidente da Comissão de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora de uma das ações que discutem a matéria. Para o advogado, um dos problemas é que os contribuintes não gozam das mesmas vantagens de compensação admitidas ao Fisco. "Teria que haver uma via de duas mãos. Se a Fazenda pode receber antecipadamente o crédito, por que o credor não pode fazer a compensação com impostos correntes? ", questiona.

Liminar do STJ favorece contribuinte do Estado de Goiás

Uma liminar do ministro Arnaldo Esteves Lima, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu a cobrança de impostos de uma empresa que quer compensá-los com precatórios devidos pelo Estado de Goiás - conforme previsão da Emenda Constitucional nº 30, promulgada em 2000. Embora não se trate de uma decisão definitiva, advogados comemoraram uma sinalização favorável ao contribuinte, num momento em que prevalece no STJ um entendimento contrário a esse tipo de compensação.

A Comercial de Alimentos Pantanal tenta compensar débitos de ICMS com um precatório de natureza não alimentar, já vencido. Mas a Fazenda rejeitou essa possibilidade e a empresa entrou com um mandado de segurança na Justiça. Um dos argumentos da Fazenda é que a compensação dependeria de autorização por lei estadual - o que não era o caso.

O advogado da empresa, Frederico Oliveira Valtuille, aponta que a Emenda 30 permitia a compensação de tributos com precatórios caso o Estado não fizesse o pagamento num período de dez anos. Mas alguns tribunais vêm entendendo que essa possibilidade foi revogada pela Emenda nº 62 - a chamada Emenda dos Precatórios. A 1ª Turma do STJ, por exemplo, tem julgamentos nesse sentido.

Já Valtuille diz que o texto referendou as compensações passadas, feitas com base na Emenda 30. Ele cita o artigo 6º da Emenda 62, segundo o qual ficam convalidadas "todas as compensações de precatórios com tributos vencidos até 31 de outubro de 2009" - realizadas antes de sua promulgação e seguindo as normas introduzidas pela Emenda 30 - ou seja, de acordo com o parágrafo 2º do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

De acordo com o advogado, que também preside a Comissão de Precatórios da seccional goiana da OAB, milhares de operações desse tipo aguardam definição do Judiciário.

O advogado tributarista Júlio de Oliveira, do escritório Machado Associados, recomenda cautela aos contribuintes que queiram usar compensações de precatórios em seu planejamento fiscal. "Esse é um ambiente de muita insegurança jurídica", afirma. "Há casos em que se chega a questionar a própria natureza dos créditos que geraram o precatório."

A Emenda 30 fez surgir um mercado multimilionário de planejamento tributário com precatórios, devido às autorizações para compensação de débitos e a possibilidade de sessão desses títulos para terceiros. Mas as normas que tratam da matéria são repetidamente questionadas na Justiça. A própria Emenda Constitucional 62 é objeto de diversas ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.



Fonte: AASP - Associação dos Advogados de São Paulo

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